Homossexuais buscam alternativas à homofobia nos Esportes
- impactoesportivo
- 22 de out. de 2018
- 5 min de leitura
Pessoas da comunidade LGBTQ+ sofrem quando decidem praticar algum esporte, especialmente o futebol
Por: Marcílio Albuquerque
Edição: Thiago Barreto
A paixão nacional pelo futebol faz com que quase todos os meninos, quando crianças, tenham pelo menos um pouco de vontade de começar na carreira esportiva, buscando clubes ou times independentes para treiná-los ainda na infância.
Porém, nem todos conseguem seguir em frente com o sonho, alguns por dificuldades, outros por falta de determinação e outra parte por causa da discriminação sofrida dentro dos gramados. Muitos jovens homossexuais que simpatizam ou até mesmo gostam do futebol são hostilizados quando resolvem assumir sua sexualidade e, dentro dos vestiários, isso é uma realidade. Como foi o caso de Damasceno Ferreira, 21 anos.
Desde pequeno, ele já jogava futebol na cidade em que mora, Chã Grande, na Zona da Mata de Pernambuco. Com sete anos, o jovem já estava com a bola no pé e demonstrava talento. Desde cedo, Damasceno também sabia que não era igual aos outros garotos, e os olhava de maneira diferente. Um dia, resolveu assumir a homossexualidade levando o namorado para um jogo do time dele. Na ocasião, Damasceno marcou um gol, dando a vitória à equipe. Na comemoração do gol marcado, ele correu para a arquibancada e beijou o namorado na frente de todos. “No outro dia, quando cheguei no campo, o treinador me puxou e veio falar que os outros meninos não queriam ficar no mesmo vestiário que um gay e, por isso, era melhor não jogar mais no time. Doeu, sabe? Eu conheci todo mundo criança e hoje eles viram a cara pra mim na rua”, pontua ele.
Esta realidade faz com que pessoas LGBTQ+ sofram quando decidem praticar algum esporte. Muitos desistem da carreira futebolística, e os que não desistem procuram se isolar entre outras pessoas simpatizantes. Um exemplo disso é o time de futebol Unicorns Brazil, formado inteiramente por pessoas LGBTQ+.
O Unicorns Brazil começou como um time de futebol, fundado em abril de 2015, pelos amigos Filipe Marquezin e Bruno Host, com a ideia de reunir pessoas da comunidade LGBTQ+. Um diferencial da equipe é que os participantes não precisam ser bons jogadores, nem sequer saber jogar bola ou ter decoradas as regras de campo. Para eles, basta seguir a única regra do time: se divertir. Para a gestão do clube, a competição não entra em campo.

Paralelamente à diversão, veio a ideia de dar oportunidade e incentivo para gays e demais membros da comunidade que gostam de futebol, mas foram excluídos do esporte na escola ou meio onde vivem, como foi o caso Damasceno. Tal ato serve para ocupar um espaço ainda basicamente dominado por homens heterossexuais.
Atualmente, o Unicorns tem cerca de 50 integrantes que se reúnem rigorosamente todas as quartas, numa quadra da zona sul de São Paulo. Segundo os organizadores, o time sempre está aberto para outros jogadores que queiram ingressar na equipe. Pelo time já passaram mais de 100 meninas e meninos do Brasil e de países como Colômbia, EUA, México e Croácia.
Agora, nem sempre o futebol é a alternativa escolhida para quem deseja voltar aos esportes. Mesmo com projetos, como o Unicorns Brazil, que promovem a inclusão de pessoas no futebol, ainda existe uma grande luta contra o preconceito. Por conta disso, outros esportes vêm sendo uma saída para fugir do conservadorismo. Um exemplo disso é o Vogue, esporte que atualmente vem se popularizando entre pessoas LGBTQ+.
Mas o que é Vogue?
“Strike a pose” é o primeiro verso da música mundialmente conhecida da cantora Madonna, lançada em 1990 em homenagem à dança que surgiu nas festas chamadas Ballrooms (Bailes), no Harlem, em Nova York, no início da década de 60, entre pessoas afro-americanas e da comunidade LGBTQ+. No videoclipe da música, a cantora e seus dançarinos dançam o Vogue e, assim, esta prática que também envolve arte, deixou de ser restrita aos clubes da comunidade LGBTQ+ para ganhar o mundo. A dança, moderna e altamente estilizada, caracteriza-se pelos seus movimentos corporais, definidos por linhas e poses, e posições típicas de modelos.

O Vogue foi originalmente chamado de “apresentação”, e mais tarde “performance”. Ao longo dos anos, a dança evoluiu para um formato mais complexo e ilusório que então passou a ser chamado de “Vogue”, inspirado na revista de moda homônima. As competições formais começaram nos Ballrooms, ou simplesmente Balls, tendo envolvidos em sua realização grandes nomes como Willi Ninja e Pepper LaBeija.
As modalidades
Atualmente, o Vogue é composto por três modalidades diferentes, chamadas de Old Way Vogue, New Way Vogue e Vogue Fem.
A primeira é o Old Way Vogue, surgido antes de 1990, que consiste em formação de linhas, simetria e precisão na execução com ações fluídas e elegantes. Soldados, hieróglifos egípcios e poses de moda servem como inspirações para a categoria, que na sua forma mais pura e histórica, é o duelo entre duas pessoas, onde um rival deve prender o outro de forma que o que está preso fique impossibilitado de realizar os movimentos.
Já o New Way Voguing, que surgiu após 1990, é caracterizado por movimentos rígidos, juntamente com “clicks” (contorções dos membros nas articulações), e também do controle de braços e de movimentos ilusórios dos punhos e mãos. Também pode ser descrito como uma forma modificada de mímica em que formas geométricas imaginárias, como uma caixa, por exemplo, são introduzidas durante o movimento e mudam-se progressivamente ao redor do corpo para mostrar a destreza e memória do bailarino, ao mesmo tempo em que envolve uma flexibilidade incrível.
O Vogue Fem ("Fem" é derivado da palavra femme em francês, que significa "mulher") é a fluidez em sua forma mais extrema, com movimentos femininos exagerados influenciados pelo ballet, jazz e dança moderna. Estilos do Vogue Fem vão do Dramatics (que enfatiza acrobacias, truques e velocidade) para o Soft (que enfatiza um bonito e gracioso fluxo de fáceis transições entre os cinco elementos). Há cinco elementos do Vogue Fem: "hand performance" (movimento de mãos), "catwalk" (passarela), "duckwalk" ou "floor performance" (desempenho no chão), "dips"(mergulhos) e "drops" (quedas). No entanto, algumas performances não oficiais podem contar "spins" (giros) como um dos elementos, em batalhas de Voguing profissionais e performances, onde o bailarino é julgado baseado nos cinco elementos originais do Vogue, ainda devendo se apresentar de uma forma fashion e criativa.
Nota-se que Old Way e New Way são termos geracionais, pois as gerações antigas chamavam o estilo de Vogue praticado por gerações anteriores de “old voguing” e, assim, reutilizaram esse termo para se referir às mudanças evolutivas que o estilo passava. Sendo assim, no futuro o que conhecemos como Vogue New Way possivelmente será chamado de Old Way pelas próximas gerações.
Hoje, a cena das "Ballrooms" evoluiu para uma dança desportiva underground nacional com grandes bailes realizados em diferentes cidades nos EUA. As novas “capitais” do Voguing são: Chicago, centro-oeste de Detroit, Atlanta, Charlotte, Dallas, sul de Miami, Costa Oeste de Los Angeles e Las Vegas, Baltimore, DC, Connecticut, Filadélfia, Pittsburgh, e Costa Oeste da Virgínia. No entanto, Nova Iorque continua sendo a Meca das grandes festas, bem como do estilo de dança.
No Brasil a cena ainda é pequena, porém conta com o grupo carioca House of Kínisi, formado por cinco homens e uma mulher. O país também já foi palco do festival internacional de Voguing Vogue Fever, que fez quatro edições em Belo Horizonte. Nesse ano, o evento também foi realizado no Recife.

Para Andrelise Fem, 20 anos, jovem praticante do Vogue, a dança também é resistência. Segundo ela, nos dias de hoje, dançar Vogue, que é algo realizado por corpos andrógenos e movimentos feminizados, é uma forma de manter viva essa cultura. “É pegar algo pelo qual pessoas de diversas condições sexuais são julgadas na sociedade, readequar e tornar aquilo, aqueles xingamentos, motivo de orgulho. Hoje em dia, assim como nos Balls dos anos 60 em Nova York, isso tem sido a salvação para jovens gays ou transexuais expulsos de casa. Isso tem sido a nossa vida. É um lugar onde podemos ser nós mesmos”, diz.
O Vogue é algo que ainda está crescendo no Brasil, ocupando seu espaço e conquistando seu público. Na vida de muitos jovens, o esporte já é uma realidade muito presente.
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